Megaoperação mira o Grupo Refit, apontado como o maior devedor de impostos de São Paulo
27/11/2025
(Foto: Reprodução) Força-tarefa faz megaoperação contra fraude em combustíveis
O Grupo Refit, dono da antiga refinaria de Manguinhos, no Rio de Janeiro, e de dezenas de empresas do setor de combustíveis, foi alvo de uma megaoperação realizada na manhã desta quinta-feira (27). No total, são 190 alvos, incluindo pessoas físicas e empresas que estão direta ou indiretamente ligadas ao grupo.
👉 Comandado pelo empresário Ricardo Magro, o grupo é considerado o maior devedor de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias ou Serviços) do estado de São Paulo, o segundo maior do Rio e um dos maiores da União. Procurada, a defesa do grupo não havia se manifestado até a última atualização desta reportagem.
Segundo os investigadores, o esquema causou prejuízo de R$ 26 bilhões aos cofres estaduais e federal.
A investigação descobriu que a Refit sonega impostos desde a importação de combustíveis via portos até a hora em que vende o produto em postos de gasolina. Os alvos da operação são suspeitos de lavagem de dinheiro, de integrarem uma organização criminosa e de praticarem crimes contra a ordem econômica e tributária.
Em resumo, a fraude fiscal funcionava assim, segundo os promotores:
no centro do esquema, estava a refinaria.
ao redor, uma rede de colaboradores dividida entre diferentes núcleos: internacional (com empresas no exterior); tecnologia e jurídico; financeiro e patrimonial; além de importadoras, fintechs e bancos, distribuidoras e postos de combustíveis.
um esquema para beneficiar, de acordo com os investigadores, um núcleo familiar.
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Em entrevista à imprensa ao lado de diversas autoridades, o promotor de Justiça Alexandre Castilho afirmou que não foi detectada a presença da atuação de facções.
A Refit disse, em nota, que questiona na Justiça os débitos tributários apontados pela operação.
"A Refit esclarece que os débitos tributários apontados pela Secretaria da Fazenda de São Paulo, que serviu como base para a operação Poço de Lobato estão sendo questionados pela companhia judicialmente — exatamente como fazem inúmeras empresas brasileiras que divergem de uma cobrança tributária, incluindo a própria Petrobras, maior devedora do Estado do Rio de Janeiro.
Trata-se, portanto, de uma disputa jurídica legítima e não de qualquer tentativa de ocultar receitas ou fraudar o recolhimento de tributos. Todos os tributos estão devidamente declarados, portanto, não havendo que se falar em sonegação."
Fraudes
Dinheiro apreendido em escritório na Alameda Santos, durante megaoperação contra o Grupo Refit
Reprodução
Assim como na Operação Carbono Oculto, que mostrou a infiltração do PCC na cadeia de produção e distribuição de combustíveis, os investigadores detectaram mais uma vez o uso de fintechs e fundos de investimento no esquema.
O Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos do Estado de São Paulo (Cira-SP) conseguiu bloquear na Justiça R$ 8,9 bilhões de pessoas envolvidas no esquema. Em paralelo, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional conseguiu na Justiça Federal a indisponibilidade de R$ 1,2 bilhão da organização criminosa.
Em setembro, a Receita e a Agência Nacional do Petróleo (ANP) interditaram a Refit e apreenderam navios carregados de combustível importado irregularmente da Rússia. Foram constatadas diversas irregularidades, como:
suspeita de importação com declaração falsa, pois a gasolina importada era declarada como derivados de petróleo;
ausência de comprovação do processo de refino;
indícios de uso de aditivos químicos não autorizados alterando a característica do produto.
As fraudes ocorriam por meio de uma rede de colaboradores, holdings, offshores (empresas abertas em outros países), meios de pagamento e fundos de investimento.
O dinheiro lucrado com a sonegação era investido em negócios, propriedades e fundos de investimento que davam aparência de legalidade e dificultavam o rastreamento pelos órgãos de controle.
A Receita identificou inicialmente 17 fundos ligados ao grupo, que somam patrimônio líquido de R$ 8 bilhões. No entanto, depois se constatou que eram cerca de 50 fundos.
Em sua maioria, são fundos fechados com um único cotista, geralmente outro fundo, criando camadas de ocultação. Há indícios de que as administradoras colaboraram com o esquema, omitindo informações à Receita.
A análise dos fundos identificou a participação de entidades estrangeiras como sócias e cotistas, além da coincidência de representantes legais entre offshores e fundos.
Essas entidades foram constituídas em Delaware, nos Estados Unidos, jurisdição conhecida por permitir a criação de empresas do tipo LLC, com anonimato e sem tributação local, desde que não gerem renda em território norte-americano.
Por meio dessa estrutura, as entidades deixam de ser tributadas tanto nos EUA quanto em território nacional. Tal prática é comumente associada a estratégias voltadas à lavagem de dinheiro ou blindagem patrimonial dos envolvidos.
Uma das principais operações internacionais envolveu a aquisição de uma exportadora em Houston, no Texas, da qual foram importados combustíveis no valor de mais de R$ 12,5 bilhões entre 2020 e 2025.
Já foram identificadas mais de 15 offshores nos EUA, que remetem recursos para aquisição de participações e imóveis no Brasil, totalizando cerca de R$ 1 bilhão.
Também foram detectados envios ao exterior superiores a R$ 1,2 bilhão sob a forma de contratos de mútuo conversíveis em ações, que podem retornar ao Brasil como investimentos por meio de outras offshores, fechando o ciclo.
Para o Instituto Combustível Legal (ICL), a operação "confirma, de forma inequívoca, a necessidade urgente de impedir que a sonegação estruturada continue financiando esquemas bilionários no setor de combustíveis".
A entidade defende ainda a aprovação de um projeto de lei parado no Congresso que, para a ela, "cria ferramentas claras para separar o contribuinte regular do sonegador profissional e permite ação rápida do Estado antes que organizações dessa dimensão se consolidem". (Leia a íntegra do posicionamento ao final.)
Mandados em cinco estados
Os mandados são cumpridos em cinco estados — São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Maranhão — e no Distrito Federal.
Batizada de Poço de Lobato, a ação mobiliza 621 agentes públicos, entre promotores de Justiça, auditores fiscais da Receita Federal, das secretarias da Fazenda do município e do estado de São Paulo, além de policiais civis e militares.
A operação foi deflagrada pelo Cira-SP e conta com a participação da Receita Federal, Ministério Público de São Paulo, Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de SP, Secretaria Municipal de Fazenda de SP, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, Procuradoria-Geral do Estado de SP e polícias Civil e Militar.
Entenda os números da operação Poço de Lobato
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O que diz o ICL
Abaixo, leia a íntegra da nota do ICL:
"O Instituto Combustível Legal (ICL ) afirma que a Operação Poço de Lobato confirma, de forma inequívoca, a necessidade urgente de impedir que a sonegação estruturada continue financiando esquemas bilionários no setor de combustíveis. E, para que isso aconteça, é fundamental a aprovação urgente do PLP 125/2022, que já foi aprovado por unanimidade no Senado Federal (71 a 0) e encontra-se parado na Câmara aguardando indicação de relator para que possa ir para a votação em plenário.
A ação da Receita Federal e de órgãos parceiros mira um grupo que movimenta mais de R$ 70 bilhões por ano e que figura como maior devedor contumaz do país, com R$ 26 bilhões em dívidas acumuladas — utilizando offshores, fundos exclusivos, importadoras irregulares e estruturas complexas de blindagem patrimonial. O PLP 125/2022 define de forma clara o devedor contumaz como aquele agente que usa a sonegação e o não pagamento de impostos como estratégia de negócios. Está brecha legislativa, por sinal, tem sido a porta de entrada para o crime organizado no mercado formal brasileiro, não apenas no setor de combustíveis.
O bloqueio de R$ 10 bilhões em bens e a identificação de redes financeiras internacionais revelam que não se trata de inadimplência comum, mas de fraude deliberada praticada de forma reiterada, com impacto profundo sobre arrecadação, preços ao consumidor e concorrência leal. Esses esquemas, como mostram Poço de Lobato, Carbono Oculto e Cadeia de Carbono, se consolidam por meio de sucessivas aberturas de CNPJs, uso de interpostas pessoas, manipulação tributária e adulteração de combustíveis.
O ICL volta a destacar que o caso reforça a urgência de aprovação do PLP 125/2022, do Devedor Contumaz, que cria ferramentas claras para separar o contribuinte regular do sonegador profissional e permite ação rápida do Estado antes que organizações dessa dimensão se consolidem. Sem esse marco legal, o país continuará vulnerável a estruturas criminosas que se aproveitam de brechas regulatórias e impactam toda a cadeia produtiva.
“A Operação Poço de Lobato mostra, mais uma vez, que estamos diante de um modelo de negócio baseado na fraude, com alto grau de sofisticação e impacto bilionário. Combater o devedor contumaz é essencial para proteger a concorrência leal e impedir que o crime continue avançando não apenas no setor de combustíveis, mas em todo o mercado formal brasileiro”, afirma Emerson Kapaz, presidente do ICL
O Instituto reafirma seu compromisso com a legalidade, a concorrência justa e a colaboração com as autoridades, reforçando que operações dessa magnitude são fundamentais — mas precisam ser acompanhadas de mudanças estruturais na legislação para impedir que novos esquemas voltem a surgir."
Força-tarefa mira 190 companhias e pessoas ligadas a empresa de combustíveis apontada como maior devedora de impostos de São Paulo
Eliezer dos Santos/TV Globo
Grupo Refit é dono da antiga refinaria de Manguinhos, no Rio de Janeiro
Reprodução/TV Globo
Megaoperação mira 'maior devedor de tributos' do Brasil